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quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Direitos Universais Humanos/Animais

Os animais.

Direitos deles e ética para com eles

Elaborado em 05.2002.
Jane Justina Maschio
pós-graduanda em Direito pelo Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina (CESUSC)

"Chegará o dia em que o restante da criação vai adquirir aqueles direitos que nunca poderiam ter sido tirados deles senão pela mão da tirania. Os franceses já descobriram que o escuro da pele não é motivo para que um ser seja abandonado, irreparavelmente, aos caprichos de um torturador. É possível que algum dia se reconheça que o número de pernas, a vilosidade da pele ou a terminação do os sacrum são motivos igualmente insuficientes para se abandonar um ser sensível ao mesmo destino. O que mais deveria traçar a linha insuperável? A faculdade da razão, ou talvez, a capacidade de falar? Mas, para lá de toda comparação possível, um cavalo ou um cão adultos são muito mais racionais, além de bem mais sociáveis, do que um bebê de um dia, uma semana, ou até mesmo um mês. Imaginemos, porém, que as coisas não fossem assim, que importância teria o fato? A questão não é saber se são capazes de raciocinar, ou se conseguem falar, mas sim se são passíveis de sofrimento" (Jeremy Bentham).


INTRODUÇÃO

O ser humano, no transcurso de sua recente existência sobre a Terra , vem-se julgando superior às demais espécies e, graças a esse pensamento antropocêntrico, supõe governar sobre os demais seres vivos. No mundo ocidental, católico especialmente, o antropocentrismo tem como raízes as escrituras sagradas, que disseminaram a idéia de que o homem foi feito à imagem de Deus, sendo-lhe, assim, outorgado o domínio sobre os peixes do mar, as aves do céu e todos os animais que rastejam sobre a Terra [03]. Em razão disso, o homem considera a si mesmo amo e senhor da vida, do bem-estar e da felicidade de todos os demais seres vivos do planeta. Mas será verdadeira essa superioridade do homem? Tem ela justificativa?

Na busca de resposta a essa indagação, deve-se levar em conta que a humanidade efetivamente adquiriu maior habilidade do que os animais para transpor alguns dos obstáculos que a natureza impõe. Desenvolveu técnicas para dominar o fogo, minimizar o frio e o calor intensos; inventou a agricultura para contornar a escassez de alimentos; dominou, em certa escala, o mundo das águas, represando-a e canalizando-a. Mas será que toda essa engenhosidade e maior habilidade para transformar o meio ambiente - se é que podem ser considerados como fatores positivos - por si só, são suficientemente aptos a comprovar, sem nenhuma refutação, que o homem é um ente superior aos demais animais, e assim sendo, é ético, moral, justo e lícito sujeitar as demais espécies vivas como bem lhe aprouver?

Esse estudo tem como prioridade justamente amalgamar argumentos capazes de, tal qual uma revolução coperniana, deslocar o homem do centro do mundo - para cuja satisfação as demais espécies vivas convergiriam – a fim de situá-lo lado a lado com os demais seres vivos, todos portadores de direitos fundamentais básicos como à vida, à alimentação, à liberdade, à perpetuação da espécie, de ver respeitadas suas características, direito à integridade física e moral, direito a um habitat sadio.

Os animais, pela simples condição de seres vivos, na sua grande maioria habitantes deste planeta milhões de anos anteriormente ao homem, detêm certos direitos que lhes são inerentes. E tais direitos naturais dos animais são uma verdade insofismável, da mesma forma que o homem, no dizer de Léon Duguit, "em sua natureza de homem, desfruta de certos direitos subjetivos, que constituem os ´direitos individuais naturais´". Respeito aos direitos naturais do homem, bem como aos dos animais e das demais espécies vivas, é a conduta ética mínima que se impõe à humanidade.

É, pois, com base na idéia de que os animais, por serem entes vivos, que têm sentimentos e sensações talvez em níveis semelhantes aos dos seres humanos, apenas com características diferenciadas, que se pretende desenvolver este estudo.

Ao pretender-se discorrer acerca de uma teoria jurídico/filosófica que consagre aos animais certos direitos, deve-se, antes de qualquer digressão, traçar diretrizes a respeito do que sejam direitos, como se os adquire, qual sua fundamentação, quais são suas fontes. Por isso, inicia-se este estudo com uma análise propedêutica do conceito de direito e as suas várias acepções: direito como norma, como faculdade, como ciência, como fato social, e, por fim, naquele âmbito que mais interessa: o direito como o justo, como algo que é devido por justiça.

Depois, ainda no primeiro capítulo, tratar-se-á dos direitos dos animais no ordenamento jurídico. Colacionar-se-ão algumas das várias legislações que regulam as relações dos humanos com os animais, dando ênfase à Constituição da República Federativa do Brasil e ao Decreto-lei nº 24.645/34, enredando-as com breves comentários.

Num segundo momento, analisar-se-á a questão da competência em relação aos direitos dos animais. Mas precisamente, investigar-se-á a quem compete a atividade legiferante, quem são os titulares da ação em defesa dos direitos dos animais e, ainda, qual é a justiça competente para julgamento de tais ações.

No terceiro capítulo, após tecer argumentos que ensejem o reconhecimento dos animais como sujeitos de direito, e não apenas objeto deste, verificar-se-á qual é o entendimento do Poder Judiciário, em suas várias instâncias, acerca dos direitos dos animais. Abordar-se-ão, aí, alguns temas polêmicos como a farra do boi, os rodeios, a vivisseção, a caça amadorista e o uso de animais como alimento, a superpopulação de animais de rua e o abandono. Colacionar-se-ão, igualmente, decisões judiciais que resguardam e garantem tais direitos.

No quarto e último capítulo, realizar-se-á uma reflexão filosófica em relação aos direitos dos animais, iniciando por delinear a origem, a fundamentação, primeiramente, dos direitos do homem. Por isso, inicia-se com uma breve digressão acerca das teorias contratualista e jusnaturalista, para, ao depois, fixar as bases éticas dos direitos dos animais. Posteriormente, tendo como suporte as idéias do filósofo australiano Peter Singer, que propugna que os seres humanos devem observar o princípio da igual consideração dos interesses em suas relações com as demais espécies, procurar-se-á sedimentar de forma definitiva que os animais têm direitos que lhes são inerentes por sua simples condição de seres vivos.

Por derradeiro com suporte na teoria ministrada de Immanuel Kant de que é a razão que comanda a boa ação moral, propor o redimensionamento do imperativo categórico desenvolvido pelo filósofo alemão, a fim de que se transforme em lei universal que contemple não apenas os seres humanos, mas todas as criaturas vivas.

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