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segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Comer carne é considerado anti-ético...

Sobre a ética da alimentação sem carne
Houve uma época, a muito tempo atrás, em que cheguei a ser vegetariano restrito por um bom meio ano, se não mais. Para quem não sabe, vegetariano restrito é aquele que não come nada de origem animal - e eu disse nada. Nem queijo nem ovo nem leite nem nada. Ainda há outros, diria piores se a palavra não tivesse uma conotação tão pejorativa, que além disso não usam nada que venha de algum animal, nada que tenha passado por experimentação com animais, e alguns (não todos) detestam a idéia de ter um bichinho de estimação, pelo fato de que os bichinhos tem o seu próprio hábitat. São os chamados veganos, os vegans, um nome terrível que pra mim soa alienígena. Os veganos vêm de Vega? Se eles querem ser chamados assim, paciência.
Eu comecei a ser "vegan" por um curto período, até que comecei a perceber que é complicado ser coerente com estes pressupostos. Quanto a roupas, dá pra viver sem o couro. Meu violino, porém, tem o arco com crina de cavalo. Existem cosméticos naturais, claro, mas ter de renunciar aos avanços da medicina feitos as custas do sofrimento dos bichinhos, era renunciar a um mundo moderno, no qual já me meti até o pescoço.
Claro que, nossas horas em que a coerência total chega a ser desgastante, só há três alternativas: trocar de pressupostos; esquecer os pressupostos; afrouxar os pressupostos. Eu achei que, para manter o mínimo de dignidade que ainda me restava, a última opção era a melhor. Então afrouxei os pressupostos, uma saída ética totalmente justificável, dadas as conjunturas do momento, e desde então, gradualmente, passei a comer queijo, ovo, leite, peixe e couro (em doses homeopáticas), nesta mesma ordem.
Ética é questão de inteligência. E inteligência é questão de plasticidade. Uma coisa que o pessoal do movimento de proteção aos animais se esquece, quando em vez.
Pois há umas oito classes de argumentos para adotar ou uma dieta sem carne (ou vegetariana), ou um dos diversos graus possíveis entre o oito e o oitenta, e todos eles são bastante convincentes e inteligentes. Não concordo em quase nada com as opiniões expressas de que não há coerência, ou pensamento inteligente, naqueles que argumentam (principalmente os filósofos) sobre este aspecto. Concordo, certamente, que agora é moda gostar dos bichinhos, e que os atos impensados de muitas pessoas que se dizem "vegetarianas" ou "vegans" ou "o-raio-que-o-parta" são esdrúxulos, para não dizer ridículos.
Dentre as razões higiênicas, de saúde, econômicas, estéticas, ecológicas, éticas e espirituais/religiosas, as minhas são muito mais éticas do que outra coisa, para deixar bem claro. Duas leituras interessantes sobre este aspecto são Peter Singer e Sônia Felipe, professora de filosofia aqui da UFSC, sendo que Singer partiu de um século e meio de filósofos, e a Sônia faz uma (re)leitura do Singer e de Tom Regan. Gostaria de deixar bem claro, também, que para mim a atitude ética deve ser tomada em termos políticos, e não na solidão pessoal do sujeito ético, embora seja sempre no sujeito que o ato ético recorrerá. O que quero dizer é que ética envolve uma discussão e um julgamento de fatos, o que envolve mais de uma pessoa nesta dança. Como exemplo, deixo a questão do famoso papel da carne, do mastigar um alimento fibroso como a carne, para a formação do aparelho fonador e da arcada dentária. O quanto disto é verdade, e o quanto é mito? Há algum lugar no mundo em que ocorre uma alimentação sem carne desde a tenra (huuum..) infância? E então? E não haveria outra forma de ocorrer esta mastigação?
Se fôssemos seguir o conselho do Buda ("por isso, ensinei-lhes a não crer meramente por ter ouvido falar, mas, depois que vocês acreditarem a partir de sua consciência, devem agir em conformidade e intensamente.”), cairíamos na falácia de, justamente, pensar que partir da consciência (o sujeito moral em si e só) é o suficiente para tomar uma atitude ética inteligente. E eu creio que não é. Assim, este agir intensamente acaba virando proselitismo, e eu, pessoalmente, só vejo razões para isto em tempos de fim do mundo (que está chegando, mas ainda tarda - rárárá). A ética é o uso da razão, sim, mas a razão está aqui, no mundo.
E francamente, Guerra, colocar o leite materno no mesmo saco chamado de "alimento de origem animal" não caiu muito bem. A mãe sente prazer e quer dar o seu leite para o filho. Isto aí está a milhares de quilômetros de distância do discurso da Sônia, por exemplo.
(Extra! Extra! O último argumento que ouvi na discussão pró ou contra o uso da carne na dieta humana. Evolucionário, novamente, de roupagem nova. Desta vez diz que "nossas propensões carnívoras têm origens remotas - e nossa capacidade de lidar com uma dieta como essa pode ser derivada de certos genes","oito genes de 'adaptação à carne', que podem ter ajudado os humanos primitivos a lidar com o colesterol, as infecções e outras doenças derivadas de seu consumo." SciAmBr, maio deste ano. Interessante, claro. Novamente coloca para mim a neurose que o pessoal vegan tem com a comilança de carne, que pelo que falam, parece mais que a maioria da humanidade está se envenenando lentamente a partir do momento em que colocam um naco de picanha na boca. Façam-me o favor. Se comer carne fosse tão ruim assim, Iesu, estaríamos todos fudidos, e só os límpidos vegans sobreviveriam para contar a história.
Acontece que usar um argumento deste para justificar a obtenção de nutrientes e calorias através de carne, piiif... fraquíssimo. Isso fazia o maior sentido... aliás, isto era questão de sobrevivência nua a crua quando existiam aqueles primatas muito feios que desceram das árvores, passaram fome, alguns dizem que ficaram pelados pois que começaram a nadar, e descobriram que comer carne era bom. Um tanto quanto trabalhoso, mas bom. E nestes laços de retroalimentação o consumo de carne aumenta a massa cinzenta que aumenta a inteligência que aumenta o consumo de carne que. Além do mais, descobriram que era bom lavar as batatas sujas. Mas isto já é outra história.
E, graças aos nossos queridos primatas antepassados, temos um córtex que faz a gente pensar demais e achar que conhecemos o deus. Ah, também temos uma capacidade de prover uma dieta muitíssimo mais rica em todos os sentidos para cada habitante deste planeta, sem matar, com este objetivo em mente, nem uma única vaca que seja. É natural um humano comer carne? Claro. Desejável? Talvez sim, talvez não. Em que termos?

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